O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou hoje (2) a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal.
Pelo voto do ministro, deve ser considerado usuário quem portar entre 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis. Além disso, a Justiça também poderá avaliar as circunstâncias de cada caso para verificar eventual situação que possa configurar tráfico de drogas.
Para fundamentar seu voto durante julgamento no STF que pode descriminalizar o porte pessoal de maconha, o ministro Alexandre de Moraes se baseou, conforme adiantou a colunista Malu Gaspar, em um estudo da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), que analisou mais de 1,2 milhões de ocorrências policiais de apreensões de pessoas com a droga. A pesquisa concluiu que pretos e pardos estão mais suscetíveis a acusações de tráfico do que os brancos.
— O branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto e pardo para ser considerado traficante. Para um analfabeto, por volta de 18 anos, preto ou pardo, a chance de ele, com uma quantidade ínfima, ser considerado traficante é muito grande. Já o branco, mais de 30 anos, com curso superior, precisa ter muita droga no momento para ser considerado traficante — afirmou Moraes, com base nas conclusões da pesquisa.
O julgamento sobre o porte de drogas foi retomado nesta tarde com o voto do ministro, que, em 2015, pediu vista (mais tempo para analisar o caso) e suspendeu o julgamento. A sessão continua para a tomada dos votos dos demais ministros.
O Supremo julga a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006). Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal.
A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvos de inquérito policial e processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas.
Moraes avaliou que a lei aumentou o número de presos por tráfico de drogas e gerou “um exército para as facções criminosas”. O ministro informou que dados oficiais mostram que 25% dos presos no Brasil (201 mil) respondem por tráfico de drogas.
“Isso gerou o fortalecimento das facções no Brasil. A aplicação da lei gerou aumento do poder das facções no Brasil. Aquele que antes era tipificado como usuário, quando despenalizou, o sistema de persecução penal não concordou com a lei e acabou transformando os usuários em pequenos traficantes. O pequeno traficante, com a nova lei, tinha uma pena alta e foi para sistema penitenciário. Jovem, primário, sem oferecer periculosidade à sociedade, foi capturado pelas organizações criminosas”, comentou.
Por isso, ele defendeu a necessidade de se diminuir a “discricionariedade” seja na abordagem policial como nos julgamentos. O estudo diz que a mediana de maconha apreendida no caso de analfabetos acusados como traficantes é de 32 gramas. Já para o caso de pessoas com curso superior é de 49 gramas, uma diferença de 52%.
— As medianas quantitativas são muito diferentes nos critérios de grau de instrução, idade, cor da pele. Não há razoabilidade para isso — disse Alexandre de Moraes.
O ministro ainda defendeu que o próprio STF tem competência para definir limites de quantidade para se diferenciar o usuário do traficante, o que hoje não existe na Lei Antidrogas. Segundo Moraes, isso fez com que muitos usuários fossem processados como traficantes. E a consequência, na prática, foi triplicar o número de presos por tráfico de drogas em um período de seis anos após a legislação.
— Não triplicamos com brancos , com mais de 30 anos, com ensino superior. Triplicamos com pretos e pardos, sem instrução e jovens — concluiu Moraes.— Há necessidade de equalizar uma quantidade média padrão como presunção relativa para caracterizar e diferenciar o traficante do portador para uso próprio. Porque essa necessidade vai ao encontro do tratamento igualitário dos diferentes grupos sociais, culturais, raciais. O branco ou o negro, o analfabeto ou o que tem pós doutorado, o velho ou o jovem, vão ter tratamentos iguais.
O ministro também defendeu a definição de limites de quantidade de drogas para diferenciar usuários e traficantes.
“Hoje, o tráfico de drogas em regiões abastadas das grandes cidades do país é feito por delivery. Há aplicativos que a pessoa chama e, assim como o IFood leva comida, leva a droga”, completou.
Além da quantidade, Moraes também disse que devem ser levadas em conta as circunstâncias das apreensões para não permitir discriminação entre classes sociais.
“Quanto mais velho e mais instrução, mais difícil ser caracterizado como traficante”, afirmou.
Votos
Nas sessões anteriores , os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes se manifestaram a favor da descriminalização da posse de drogas, mas em extensões diferentes.
Mendes descriminaliza o porte para todas as drogas e transforma as sanções penais em administrativas. Fachin entende que a descriminalização vale somente para maconha. Barroso também estende a descriminalização somente para maconha e fixa a quantidade de 25 gramas ou seis plantas fêmeas de cannabis.
Caso julgado
No caso concreto que motivou o julgamento, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com três gramas de maconha.
Para os advogados, o crime de porte de drogas para uso pessoal é inconstitucional por ofender o princípio constitucional da intimidade e da vida privada. A defesa sustentou que o uso pessoal não afronta a saúde pública.
Após o voto de Moraes, o julgamento foi suspenso a pedido do relator do caso, ministro Gilmar Mendes. O relator disse que pretende aprofundar voto já proferido e prometeu devolver o processo para julgamento na próxima semana.
Até o momento, o placar do julgamento é de 4 votos a 0 pela descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. Ainda não há consenso se a liberação será somente para maconha ou também para outras drogas.
Por Agencia Brasil / O Globo