Opinião
Cristovam Buarque
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Cada criança é vista isoladamente, não como parte do conjunto da inteligência que o país precisa para construir seu futuro (Daniela Toviansky/Guia do Estudante/Dedoc) Leia mais em: https://veja.abril.com.br/coluna/cristovam-buarque/pedagio-amargo/

Pedágio amargo

A escola não é vista com a nobreza de uma estrada

*Por Cristovam  Buarque

 

O título deste artigo lembra o pedágio cobrado aos usuários em rodovias, e raros lembrariam do pedágio pago para ir do presente ao futuro usando a escola. As classes médias e altas aceitam pagar o alto pedágio das mensalidades, e a nação aceita o custo ainda mais alto da omissão, do descuido do país com a educação de base. Dos atuais 50 milhões de crianças e adolescentes em idade escolar, estima-se que, graças ao gasto financeiro de até 150 bilhões de reais de mães e pais, 10 milhões deles terminarão o ensino médio minimamente alfabetizados para os desafios da contemporaneidade. No mesmo período, o Brasil pagará o amargo pedágio de desperdiçar ao redor de 40 milhões de cérebros que não terão o preparo necessário para facilitar a busca de felicidade pessoal e participar da construção de um país melhor e mais belo.

A parcela que paga não reclama do pedágio chamado mensalidade porque vê educação como benefício familiar, não como atalho para o futuro do Brasil; aqueles que têm os filhos em cursos públicos sem qualidade não reclamam porque veem a escola como favor do Estado, sobretudo pela merenda e a guarda da criança por algumas horas em cada dia, não um investimento para o futuro de cada brasileiro e da nação. Não imaginamos a escola como estrada para o futuro do país.

Nos acostumamos com a ideia de que o Estado deve construir e manter estradas geográficas para todos, independente de quem as utiliza — mas a educação das crianças deve ser paga por seus pais ou mantida pelos pobres municípios sem condições de assegurar a qualidade necessária. Desejamos todas as estradas boas e públicas, mas aceitamos que a educação seja privada e sem qualidade igual para todos. O Brasil já despertou até mesmo contra o amargo pedágio da queima de florestas, mas ainda não para a constante queima de cérebros em escolas sem qualidade. Não temos a percepção da educação como alavanca do progresso, daí não sentirmos amargura no pedágio que alguns desembolsam para a educação privada de seus filhos, nem no imenso custo da omissão ao nos contentarmos com poucas crianças concluindo o ensino médio com qualidade: alfabetizadas para o mundo moderno.

A escola não é vista com a nobreza de uma estrada, uma ponte, aeroporto ou hidrelétrica. Além disso, cada criança é vista isoladamente, não como parte do conjunto da inteligência que o país precisa para construir seu futuro. Em consequência, o pedágio não parece amargo, uma vez que os ricos se beneficiam privadamente, e a sociedade não considera o desperdício de talento intelectual, por omissão com a educação de base.

Exige-se que as estradas para deslocamento entre cidades devam ser públicas, mas tolera-se a privatização das escolas, estradas para o futuro sem necessidade de qualidade para todos. A sociedade brasileira aceita o pedágio para o futuro, por mensalidade privada ou por omissão pública, sem a amargura sentida ao pagar pedágio em rodovias entre cidades.

Se houvesse consciência da importância da educação como o vetor do progresso, para a vida do aluno e o desenvolvimento do país, o Brasil não aceitaria uma única escola sem qualidade: nem pedágio por mensalidade para os filhos dos ricos, nem a perda do talento de cada criança.

Publicado em VEJA de 1º de setembro de 2023, edição nº 2857

 

*Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque é um engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e político brasileiro filiado ao Cidadania. É o criador do Bolsa-Escola, que foi implantado pela primeira vez em seu governo no Distrito Federal. Foi reitor da Universidade de Brasília de 1985 a 1989. 

 

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