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Opinião
Eliane Al,meida
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Vidas negras importam? Das mortes na Baixada Santista a de Mãe Bernadete

A polícia fez o que pôde. Nada. Deixou que uma mãe, que ainda gritava por justiça pela morte de um filho, fosse 12 vezes alvejada no rosto. Foram 22 tiros. A certeza da morte em número: 22.

Mataram Mãe Bernadete. Senti uma dor que não sei explicar. Tive como que uma visão do que foi a cena do assassinato. Pude imaginar o medo da morte iminente ao olhar de frente o cano do revólver, mas também a revolta pela injustiça que estava prestes a ser praticada. Netos agarrados uns aos outros, do lado de fora da casa que acolhia uma Yalorixá de 72 anos e que, sob proteção da polícia, sabia que a morte estava a sua espreita. Choro toda vez que penso em Mãe Bernadete.

Mulher de luta que escolheu os caminhos mais duros para se viver nesse país racista e machista: é Yalorixá (me nego a fala dela no passado) e quilombola. A luta contra o racismo religioso e pela titulação de terras quilombolas a colocam na mira daqueles que entendem a força da terra a serviço do capitalismo. A agora Orixá sempre entendeu o poder sagrado da terra, a força da nascente e a importância de sentir o pé no barro. Morreu em defesa do bem comum.

A polícia fez o que pôde. Nada. Deixou que uma mãe, que ainda gritava por justiça pela morte de um filho, fosse 12 vezes alvejada no rosto. Foram 22 tiros. A certeza da morte em número: 22.

22 parece até número cabalístico, daquele que carrega em si um significado para além dos dois patinhos na lagoa. Foram contabilizadas 22 mortes na Baixada Santista como efeito da chamada Operação Escudo, no litoral de São Paulo. A mídia fala em 19 porque são os números oficias do Guarujá, mas omitem as mortes que acontecerem no Morro do Tetéu e da Penha, em Santos. Provavelmente foram mais. Subnotificação virou moda para esconder os números de verdade depois de tempos pandêmicos. Os números não mentem, mas quem tem poder altera esses dados.

Por conta da morte de um policial da ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) durante uma ação da Operação Escudo, policiais entraram nas comunidades do Guarujá e nos Morros de Santos ameaçando a todos. “Olha, mataram um dos nossos e a gente vai sair matando quem a gente quiser”, disse um policial no Guarujá. Está lá na matéria da Ponte, veículo de esquerda que menos gente do que necessário tem acesso.

A Operação Escudo tem como meta recolher fuzis e prender traficantes de drogas. Tenho me perguntado com frequência ao que a Polícia Militar protege. Desde sua criação, no século XIX, essa instituição protege os ricos dos pobres, controla o acesso aos centros, prende os suspeitos que vivem nas ruas, os descamisados, os descalços. Protegem a sociedade dos usuários de droga que os mais poderosos controlam.

Me pergunto o que faria a polícia militar se a comercialização de drogas fosse legalizada. Ela simplesmente perderia a razão de ser. Qual seria o motivo para atirar? Hoje matam acreditando que as periferias, as comunidades são espaços para safari. Afinal, aqueles que ali vivem ainda não alcançaram o status de humanos. Permanecem presos nos tempos de escravidão. Corpos objetos e abjetos.

Em 6 de agosto, as Mães de Maio organizaram ato pelo fim da Operação Escudo. Foi no Sambódromo de Santos. Mães que perderam seus filhos nessa ação desastrosa do Governo de São Paulo, estavam lá “parindo lágrimas”, ninando sonhos, arranhando suas gargantas com gritos abafados pelo descaso. Triste a sina dessas mães periféricas. O movimento de mães de meninos mortos pela violência do Estado é o movimento social que mais cresce no Brasil hoje. Triste é a sina da mãe preta no Brasil. Parir é gerar dor. Não há romantismo na maternidade preta.

Uma mãe muito jovem ainda tinha seu filho vivo numa cama da enfermaria da Santa Casa de Santos, maior hospital da Baixada Santista. Os policiais não deixavam que ela visse seu filho. Havia policiais guardando a porta da enfermaria. Fuzis à mão. Pânico entre pacientes e profissionais da saúde. O rapaz era um “suspeito” como todos os outros que a polícia matou. Inclusive o moço que trabalhava no carrinho na praia e o encanador, vítima número 19 de uma conta que não fecha nas mortes provocadas pelos policiais, também eram somente suspeitos.

Não há brancos entre as vítimas. Pura coincidência, não é mesmo? Do Quilombo Pitanga dos Palmares, na região metropolitana de Salvador onde mataram Mãe Bernadete, até os Morros de Santos e Guarujá, onde também já existiram quilombos como o Jabaquara, a lógica da morte sempre foi a prática. Não há democracia e nem justiça com aqueles que habitam a periferia.

Mataram Mãe Bernadete. Mas não mataram a coragem de um povo que teima em ser semente.

 

Por Eliane Almeida

Eliane de Souza Almeida é jornalista, Doutoranda em Mudança Social e Participação Política pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP. Ativista antirracista na Rede Quilombação,  componemte da Marcha de Mulheres Negras de São Paulo e membra da Rede de Jornalistas Pretos (Rede JP).

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